segunda-feira, 31 de março de 2008

Desespedida

Esta é a hora certa. Talvez, já fosse.

E, diante de uma janela, vejo as malas esperando o próximo carro, no térreo. Falta pouco. Na verdade, muito pouco. No sol permanece o anúncio do último dia, que se vai. Seus últimos raios entram pelo ruído do meu olho esquerdo. Sinto um desconforto estonteante dentro do meu armário, talvez porque deixei tanta gente entrar lá nos últimos dias.

Vejo você chegar dentro do meu quarto e me retiro da janela. Eis que sempre vem uma pessoa para atrapalhar. Esta é mais delicada: tem a minha mesma idade, desde a infância temos uma relação atrapalhada e confusa. Agora não seria diferente:
-Não agüentei ficar em meu quarto com a boca fechada.
-E o que foi agora? Pensei que estivesse com os outros no térreo, a dar-me as despedidas.
-Quer que eu aceite tudo isso como fumar um cigarro? Acredito que não!
-E eu acredito que você deveria aceitar essa boa oferta.
-Deixe de ser miúdo. Sabe que estou falando sério.
-O que realmente lhe trás aqui? Vamos falar, então, seriamente.
-Como é que você governa a sua vida com tanto egoísmo? Você sabe que todos nós estamos sofrendo com este seu chá de sumiço para o todo e sempre.
-Nós quem?
-Está bem. Se é assim que você quer também! Como você joga todo um namoro ao lixo e, em menos de um mês, resolve ir embora?
-Porque esta vida aqui eu não quero mais.
A garota enrubesceu muito. Os olhos se fixaram na madeira do teto, procurando não chorar. E era branca, com cabelos semi-louros longos, usava um modelito séc. XVIII vermelho longo e, além disso, permaneceu com os olhos para cima. Depois de assistir toda esta cena sem algum sentimentalismo procurei levantar e descer as escadas. Mas, antes de fechar a porta do quarto, deixá-la olhando para cima e fingindo que não estava lá, disse:
-Você vai se lembrar de mim?
-Não sei. Talvez para não repetir erros, acho que aprendi alguma coisa com você.
-O quê?
-Jamais se apegue a alguém. E sei que isso é inevitável.
Nesse momento, minha última namorada chorou suas últimas dores. De qualquer jeito, um mês depois, viveu a própria morte através de um derrame cerebral.

Minha mudança foi um sucesso. Já sabia eu que as coisas poderiam se desorganizar a tal ponto de me vir diante de um contra-senso. E o que diabos seria isso? Correr contra a onda.

Desci as escadas. Todos estavam no térreo, de resto, é claro. Como estavam esperando um presente, esta que é a tradição de quem vai embora, sente saudade dos que ficam e entregam presentes, passei direto e quase sem abraços entrei no táxi do castelo. Meus antigos colegas ficaram perplexos, pois o Disco do Bob Dylan não seria entregue por mim. Deixei “a outro otário que gaste seu dinheiro para dar presentes a quem não merece”.
Antes de sair do Benedito Bentes I, fui à minha terapeuta:
-Minha senhora, eu sou extremamente egoísta?
Riu extremamente alto, antes de responder:
-Sim. Extremamente.
Voltou a rir.
Eis a minha retirada.

Seis anos depois, hoje de manhã, caminho de volta ao meu estágio. Contemplo uma praça, vulgo da Faculdade, e enxergo de imediato as últimas árvores exóticas que restaram: imensas, sem graça e sem vida. Passo nas laterais do retângulo que dá forma ao lugar e enxergo o alinhamento das árvores. As árvores foram alinhadas.
Com esta percepção matinal, pedi para que você me ajudasse na identificação de um protozoário, via microscópio, na aula hoje de manhã.
Essa escrita não tem lógica, não é?
Eu sei, é isso o que costumam dizer.
E para vocês, adorantes faladores, eu não lhes darei o final.
Afinal, ninguém vai ler isso além de mim. (Risada brusca)

Acabei de vestir o meu vestido vermelho longo do séc. XVIII. Talvez eu pinte o meu cabelo de loiro, quem sabe, semana que vem.

E as árvores estavam alinhadas. Vi-me no meio da praça enquanto eu passava na borda do retângulo da mesma. Eu estava rindo, distante, muito distante.
Puta merda!
Não era para ser assim. Deveria estar indo contra, na paralela, bater no meu próprio ombro e dizer para mim mesmo: Vai pro inferno, sai da minha frente!

Eu não posso estar tão distante
Ah, puta merda! Agora já foi! Não posso retornar, minha namorada morreu a seis anos.
Não tenho escolha.

Viu?
Como é bom quando não tem final!
Bem, embora eu me contradiza
Porque o final está no meio do texto.
Nem isso!
(Boas Risadas)

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