quinta-feira, 27 de março de 2008

A Dislexia do Ser e a Propulsão ao Nada - O Diagrama e o Sonho

A criança não parou de chorar. O paraíso estava a um pé de vista. A última folha do outono se consolidava ao chão. Nada disso serviu como imagem. A criança continua a chorar, derrotada, livre de seus impulsos mais coletivos, sentiu-se perdida.

A percepção do tempo dificulta a visão. O processamento não é tão rápido. Será que continuarei abstrato para todo o sempre? Se minha abstração é um mecanismo de defesa, a criança não deveria chorar nunca mais. Mas chora.

Desespera-se diante do paraíso. Ponho minhas mãos nos joelhos e a criança em meu colo. Caminhamos juntos, unidos, sem dissociações neuróticas. O paraíso está à frente e temos que dizer adeus para as pessoas deste mundo do passado.

Temos?

As pessoas não precisam mais de adeuses. Deixá-las é somente a melhor opção. Talvez a nossa história cause obsessão em alguém porque jamais voltaremos para este lugar. A criança sorri, sem presumir nenhuma sequência.

Falando em consequência, uma violeta flutuante argumenta, numa partícula aerodinâmica em meu ouvido, que não posso deixar o terreno antes de hipotecá-lo. Respondo que eu posso o que quero. A violeta flutuante tornou todas as árvores do paraíso em cinzas. Finalmente, consegui retirar todas as projeções arquetípicas. A solidão, tristeza e a felicidade já não são as mesmas. A criança cresce, cria pêlos, e vejo diante de mim um aborígene. Nada humano numa criança humana crescida, e sim, um aborígene. Mas ele é idêntico a mim, nos comunicamos através dos sentimentos e das linguagens corporais.

Uma linha brança atravessa o meu ouvido. Desta, recrio a minha doce Eva, nua, o feminino perfeito. O aborígene faz para o mesmo objeto em um processo sucessivo.

Eu não gerei Eva
Eu recriei Deus
! (ah, quanta analogia pluralista!)

A terra treme, acusando que entrará em senescência nos próximos segundos. Eva e eu deitamos ao solo e contemplamos de perto os nossos olhares. Sua pupila é funda. Os aborígenes deitam em cima de nós, trocamos vários olhares.

Vejo Eva como um aborígene.
Eu sou um aborígene.
Sou uma criança que não chora mais.
Não tenho motivos para ser abstrato. (ah, mas para ser pluralista, sim!)

Odeio essas histórias de começo, meio e fim
Isso é defesa
Não dá mais para ser abstrato na fantasia pura, introjetada num blog como este!

* * *

O afeto aumenta e eu acordo dentro de uma sala-de-aula. Estou no centro, na carteira central. Isso é um problema, nunca quis estar no centro. Todos amigos e inimigos me observam com olhares perversos. Não me movo da carteira. Olho para baixo, curvo-me e finjo o que eu posso. Por um momento, tenho pressentimentos de que alguém me atacará por trás. Isso aumenta a cada segundo, numa obsessão.

Toca para o intervalo. O lanche é quilométrico. Alimento-me só, enquanto os outros jogam futebol de tampinha no pátio. O intervalo termina antes do último biscoito. Não tenho mais liberdade nem para alimentar-me, nem para me arrepender. Agora é pisar fundo o chão e assistir aonde dará.

"Oh, Santo Aborígene, como tu pesas!
Quando terei folga da tua gordura
?"

Volto para casa e sonho, vou para a escola e finjo. Criei a racionalização em dogmas arquetípicos para fugir desta "realidade" incombatível.

"Oh, Santo Aborígene, como tanto tu comes!
Quero que sejas de toda a minha gordura
"

Já não reconheco aborígenes, o ambiente, muito menos eu! Inicia-se o período do fingimento contraditório, onde ninguém aprendeu a escapar. Não há mais diferença entre o que é certo e errado ou o que foi e o que é. Termina-se tudo numa mesma idéia. A mesma que me deixa encabulado.

"Eis a origem das neuroses e insatisfações. Não há diferença entre você, meu amigo, e os olhares perversos da infância. Esmaguei todos e coloquei na pequena caixinha numa quina do meu quarto"

A maldita caixinha mutacional. Maldita seja, passou a domar a minha vida. Um objeto inanimado que detém o poder de todas as ilusões e fantasias fora dos meus olhos. Eu percebo o que "ela" quer, eu não sei. Eu vivo aquilo o que "ela" quer, o que eu não sei.

"E agora, Santis Aborigenus, em que cometa cairás?"

O planeta do esmagamento passou rápido. As histórias amassadas prendem a explosão, passando para as histórias da vidinha. A perceber as nuanças, nas entrelinhas de quem ainda se recusa a saber, dizendo:
"Eu entendi, mas ainda não vivi"
"Eu vivi, mas ainda acho que não entendi nada"

Oh, meu amigo e companheiro, as coisas são mais determinadas do que pensas! Então, qual das duas você esolherá, a loira ou a ruiva? Mesmo assim, fugindo, as coisas continuam a ser determinadas ao extremo.

O susto é a descoberta
A vivência garante a morte.

Um comentário:

Rafael Gonçalves disse...

Ou a morte garante a vivencia em...