domingo, 9 de maio de 2010

Personagens-vazio

Acordo na segunda-feira de manhã. Não há nada de novo, mais um dia como todos os outros. O que aparece na minha frente é um quarto pequeno com um monte de entulhos, como minha cabeça instalada no passado e no futuro. É uma hora boa para tomar banho, e tomar café olhando para as mesmas paredes e planejando o dia, conferindo as metas para a semana, etc.

O meu dia anterior não foi discutido; o que aconteceu de bom ou de ruim, as curiosidades e o que houve de peculiar não foi mostrado.

Hoje converso com as paredes.

Saio. Pego o ônibus e sento na primeira cadeira disponível. As pessoas vão entrando, ocupando os lugares. Uma senta ao meu lado, mas não há nada para conversar com ela. Afinal, não nos conhecemos e assim vou rotulando-a com um vazio. É hora de chegar à parada de descida e me levanto da cadeira. Chego a observar todos os vazios que preencheram aquele ônibus e de novo não me surpreendo.

Vou observando no caminho da universidade muitos jovens discutindo sobre as questões mais variadas, e assim chego na aula. Meus colegas chegam e vão cada um ocupando suas cadeiras. Cada um abre seu laptop e começam seus trabalhos independentes. Talvez hoje devamos sair para comer e beber em algum lugar diferente de ontem, aí discutiremos sobre tudo e todos no mundo inteiro e compartilharemos outro momento importante juntos.

Entretanto, amanhã acordarei novamente. Verei as mesmas paredes, mas agora em uma nova perspectiva, mais feliz. Tomarei café e contarei às paredes o que ocorreu na noite anterior. Será um dia feliz. No ônibus também é do mesmo jeito, mas visto de uma nova perspectiva. Os bancos continuam preenchidos de pessoas-vazio, mas agora elas agora serão vistas como um reflexo das minhas experiências da noite anterior. Assim, chegarei novamente à universidade. Sentarei na cadeira e os meus amigos também chegarão e ligarão seus laptops. Começarão os seus trabalhos individuais novamente e infelizmente perceberei que nesse momento elas se tornarão pessoas-vazio, as quais estabeleço toda a vez relações ocultas.

Estabeleço relações ocultas (relações do inconsciente) com pessoas-vazio.

Toda a vez com as pessoas do ônibus, ou da praça, ou do cinema.
Algumas vezes com meus amigos. E isso me incomoda.

Volto a Maceió e os meus antigos amigos continuam em suas vidas. E sei que eles não a mudarão ao me ver chegar. Eles tem prioridades e é necessário que eu monte uma ocasião diferente para vê-los, mas vê-los de verdade. Então, sempre deve ser uma ocasião ou pretexto especiais. Assim os reencontro. Entretanto, muito tempo se passou sem vê-los e nos acostumamos sem nos ver. Agora que mudamos aspectos de nossa personalidade devemos nos atualizar como amigos. Mas, infelizmente isso nunca acontece. Assuntos superficiais são explanados, mas os outros ficam ocultos. Novamente, é criado outro conjunto de relações ocultas em diferentes níveis para diferentes amigos, mas ela está lá. Ao percebê-la vem o incômodo, mas um incômodo sem razão aparente, ele simplesmente existe.

Chego em casa e revejo minha família. A irmã está do mesmo jeito que seus amigos, já que não fala com muita frequência e assim fica difícil alguma atualização, restando o velho diálogo: "e aí, como é que você está?" "Vou bem, e você?" "Tudo bem também". Mais um momento de pessoa-vazio. Mas esclareço, não é a pobreza de assunto que faz assuntos ou uma relação por algum momento se tornar oculta, mas a falta de compartilhamento de emoções e sentimentos, o que considero muito mais importante.

Acredito hoje de verdade que as pessoas quando estão juntas compartilham muito mais emoções e sentimentos e que na distância, pelo fato de que há uma diminuição na frequência de emoções compartilhadas, tendem a se esquecer. Utilizo a palavra "tendem" porque elas não chegam a se esquecer, mas que infelizmente se tornarão mais lembranças do que momentos atuais. Ou seja, futuramente potenciais pessoas-vazio em um nível maior.