domingo, 15 de novembro de 2009

Resignificando o Objeto Profundo

Uma merda. Vai acontecer outra vez. Uma merda! Bem depois de três anos sem sentir algo parecido, cambaleando entre sentimentos superficiais, vêm-me outra vez o nascimento do sentimento profundo. Infelizmente, é o mesmo dos anteriores, mas dirigido para objetos diferentes. O padrão do objeto é literalmente fiel a todos os outros, desde os meus seis anos de idade. O padrão do sentimento também, como já escrito, é o mesmo; contudo, esse padrão mudou em 2002. O de hoje é o mesmo de 2002 e isso me preocupa, porque vai ficar nas mesmas entrelinhas, objetando que ou eu preciso fornecer um upgrade em cima do padrão do sentimento, ou já saberei constatar o fim dos acontecimentos.
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Sim. Ontem terminamos a reunião do grupo de sábado. Tudo começa sempre com uma admiração da forma, mas não é só isso. Talvez haja um conteúdo na expressão, na forma de se dizer as coisas, ou mesmo na forma de dominação. Lembro-me, na mesma tarde, de ter visto ser mãe e ao mesmo tempo um macho dominador! Os elementos da forma, e as expressões associadas a uma dominação, que é essencialmente o que me foi esquecido, levam-me a uma admiração do objeto feminino e a uma inveja do objeto masculino. Mas, é necessário o elemento essencial. Da admiração, posso afirmar que é o primeiro caminho, mas existe o segundo passo: uma porta.
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Eis o elemento mais perigoso, uma vez que eu costumo idealizá-lo e caio sempre numa ilusão infantil. É esse elemento que dá forma ao que estou acostumado a sentir nesses eventos profundos. Uma porta pode ser qualquer coisa, desde a aceitação por vistas encontradas ou desencontradas, aceitação pela palavra (o caso de ontem) ou aceitação por contato (também caso de ontem). Desde 2002 há sempre uma mescla do toque, do abraço e da palavra. A partir da aceitação advém a amizade com o objeto e as ilusões que se provocam a partir dos processos de aceitação.
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Senhores, acredito que suas visões são mais acuradas que as minhas. Meu único desafio aqui é entender o motivo dos padrões. Eles parecem sim quererem dizer algo, inferir possíveis informações acerca de nossas vidas, àquilo que não aprendemos ainda a enxergar. Meu padrão principal é: o outro. As visões do outro, as interpretações deste e seus comportamentos perante minhas reações. Nada é tão mais claro quando penetro nas regiões do sentimento profundo. Sem ele não dá. Com ele não se suporta. O meio termo gera o vazio que os senhores já bem presenciaram em quase todos os textos anteriores, casos tão confusos quanto o próprio vazio. Não é uma maluquice inversa, mas que a busca da identidade gerou abismos que precisam ser preenchidos com nata e açúcar.
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Identidade. O acontecimento de ontem me faz pensar muito sobre suas conseqüências. Flexibilidade do espírito.: V1 – “Cara, tu sabe falar inglês, que eu sei”; O – “Fala qualquer coisa aí”; V1 – “Cara, tu sabe, não sabe?”; M – “More-less”; “Berros”; O – “Meu irmão, sou tua fã, cara... Já sei com quem vou me escalar”; V1 – “Ei, fala alguma coisa aí com minha irmã, vai!” M – “Eu acho que vou pegar esse caminho daqui da esquerda”; “Berros”; Abraço 1, abraço 2... O – “Meu irmão, vai abraçar todo o mundo menos eu!?”; M – “Calma, eu vou aí”; Abraço 3; M – “Pronto”; Abraço O.
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Cenário nada confuso que exigiria um fundo com Panis et Circensis. E senta no meio-fio com a pretensão de segurar a cabeça, porque não está entendendo nada. Vê-se no meio de um jogo de pega-pega imaginando agarrar aquele outro coleguinha que está escondido sabe-se aonde. Volta ao meio fio e assiste a saída dos novos amigos. Os abraços nunca serão suficientes quando as imagens ficam escuras a cada passo.
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V1 – “Esse daqui é o melhor amendoim!”; M – “Tá bom. Eu compro”; “Berros”; M – “Como é que eu abro essa merda!?”; O – “Eu abro, eu abro!” E abriu.
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M – “É melhor procurar o pessoal naquele mercadinho. Acho que tá todo mundo por lá”; O – “Ô!”; (...) M – “Te deixaram sozinha... fudeu!”; O – “Não fale palavrão não!”; “Tapa”; O – “Ah, olha o pessoal lá na esquina!”; M – “Ah, beleza. Então eu vou pegar o outro caminho”; Meia volta, primeiro volver; O – “E você não vai me deixar aqui sozinha não!”
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Ana, você fez uma nova pintura que eu vi. Mas, você faz muita coisa. Sei que é o estresse que lhe leva à pintura, mas porque não poderemos mostrar essa beleza de tela para outrem? Você é uma pessoa confusa, Ana, que foge das coisas e pessoas por meio do seu sorriso de tudo. Você se estressa mesmo? Essa pintura significa um rosto assustado ou um homem descansando sua cabeça sobre seu pen-drive e sua mesa desarrumada? Ana, obrigado pela água, agora vamos embora que temos muito a fazer hoje à noite.
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A comida demorou muito a chegar. O, não reclame mais, trabalhamos muito a tarde. Agora eu queria ver um filme. Continua reclamando! Seu irmão ainda está devorando aquele amendoim que eu comprei para todos. Você não está realizando o que deseja? Como assim? Parece uma pessoa tão feliz! Mas, eu bem que sei que o seu agito só transparece... eu bem vejo que seu olhar é sempre baixo. Sugiro que não ande por esse caminho, está muito perigoso às sete horas? Por que você não vai ao cinema, distrair-se um pouco? Sabemos que é muito trabalho para uma pessoa só, mas não precisa se isolar do mundo pra se matar no trabalho e depois reclamar de sua vida pessoal, isso não faz sentido. Você trabalha mesmo ou só finge!?
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Eu vou pegar para a esquerda, mas queria muito saber o que acontece se eu pegar a direita. Ah, mas já vai embora? Deixe primeiro eu abraçar todo o mundo. Mas, você não vai me abraçar primeiro? Eu bem que queria, my dear, mas eu racionalizo ao ponto de deixar você por último para só te testar e, ainda bem que você reclamou, senão eu ia ficar mais triste. Como assim? Eu reclamo de tudo ou quando algo escapa das minhas pretensões. Bom saber. Agora sim, eu lhe abraço. See you. See ya too.
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Mas, só isso!? E o que você queria? Algo mais demorado, embora eu tivesse saído satisfeito. Só que estava perigoso, eu vi. Tudo escuro, um cara perdido no ponto, e uns drogados no parapeito da outra esquina. Eu só fiz caminhar perto do meu irmão conversando as mesmas coisas que você sabe. Eu andei um tanto preocupado com um possível assalto, mas nada demais... nem eu estava mais ali, o que me garante que seria abordado?
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Ana, vou escrever uma música sobre você. Tentarei me esconder onde seu sorriso brota. Antes, dê-me outro abraço e aconselho um maior cuidado com as crianças e as que virão a nascer nos próximos meses. Só vou mesmo após lavar todos os pratos sujos e as janelas do seu quarto. Mas, Ana, não se pode viver tão sozinha assim. Eu sei que você não se estressa, porque você não aceita nada de ninguém. Está cansada, eu sei, precisa se lavar e dormir o mais rápido possível e, já lhe disse, só vou quando deixar essas coisas prontas. Em troca, quero que você me ponha em algum quadro seu, acho que já mereço uma homenagem. Querida, você sofre ao dormir. Agora me vou e espero que você esteja melhor quando eu voltar.
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Ele voltou outra vez sozinho para casa. Algo devia mesmo ter mudado, tanto para si quanto para os outros que conviveram juntos naquela tarde e começo de noite. Cada vez mais distante de suas pretensões acadêmicas que o levou a essa cidade, desgosta o caminho que está trilhando agora e percebe-se como inevitável. Sim, isso deveria mesmo acontecer! Estava em todos os outdoors e agora não se pode voltar atrás para viver as mesmas coisas em seu tempo certo.
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E você, será que vai voltar a me abraçar outra vez, amigo distante?
Desejo que nunca mais.

sábado, 7 de novembro de 2009

Morte

O apóstolo fixou o olhar para o céu pela última vez. Lembrou-se de sua melhor amiga, dos beijos doces de sua mãe, e da utópica raiva que sentia por si mesmo. Lembrou das diversas festas de despedida que fez com seus amigos ao longo de suas viagens, e imaginou o olhar de cada um; sentiu-se abraçado e a respiração de cada um. E do abraço de sua mãe, de suas tias, dos seus netos e de seus avós. Viu, então, que nada disso valia a pena agora, no último minuto, uma vez que nenhum deles estava mais ali para pelo menos o carregar nos braços ou chorar por ele.
Estarreceu-se quando observou tudo passando por seus olhos. Nada fica, constatou. Tudo passa e sobra o pó. A vida se esvai como pó. Todos os sorrisos e choros se tornam inúteis.
Na solidão do si-mesmo, entendeu que as lembranças só atrapalham, as lembranças só frustram. Assim, se arrependeu de ter vivido,
Num segundo, a vida se esvaiu em pó,
As lembranças se foram
E sua memória será uma fantasia na mente alheia, por toda a eterninade:
E que a fantasia seja feliz enquanto dure.