segunda-feira, 31 de março de 2008

Desespedida

Esta é a hora certa. Talvez, já fosse.

E, diante de uma janela, vejo as malas esperando o próximo carro, no térreo. Falta pouco. Na verdade, muito pouco. No sol permanece o anúncio do último dia, que se vai. Seus últimos raios entram pelo ruído do meu olho esquerdo. Sinto um desconforto estonteante dentro do meu armário, talvez porque deixei tanta gente entrar lá nos últimos dias.

Vejo você chegar dentro do meu quarto e me retiro da janela. Eis que sempre vem uma pessoa para atrapalhar. Esta é mais delicada: tem a minha mesma idade, desde a infância temos uma relação atrapalhada e confusa. Agora não seria diferente:
-Não agüentei ficar em meu quarto com a boca fechada.
-E o que foi agora? Pensei que estivesse com os outros no térreo, a dar-me as despedidas.
-Quer que eu aceite tudo isso como fumar um cigarro? Acredito que não!
-E eu acredito que você deveria aceitar essa boa oferta.
-Deixe de ser miúdo. Sabe que estou falando sério.
-O que realmente lhe trás aqui? Vamos falar, então, seriamente.
-Como é que você governa a sua vida com tanto egoísmo? Você sabe que todos nós estamos sofrendo com este seu chá de sumiço para o todo e sempre.
-Nós quem?
-Está bem. Se é assim que você quer também! Como você joga todo um namoro ao lixo e, em menos de um mês, resolve ir embora?
-Porque esta vida aqui eu não quero mais.
A garota enrubesceu muito. Os olhos se fixaram na madeira do teto, procurando não chorar. E era branca, com cabelos semi-louros longos, usava um modelito séc. XVIII vermelho longo e, além disso, permaneceu com os olhos para cima. Depois de assistir toda esta cena sem algum sentimentalismo procurei levantar e descer as escadas. Mas, antes de fechar a porta do quarto, deixá-la olhando para cima e fingindo que não estava lá, disse:
-Você vai se lembrar de mim?
-Não sei. Talvez para não repetir erros, acho que aprendi alguma coisa com você.
-O quê?
-Jamais se apegue a alguém. E sei que isso é inevitável.
Nesse momento, minha última namorada chorou suas últimas dores. De qualquer jeito, um mês depois, viveu a própria morte através de um derrame cerebral.

Minha mudança foi um sucesso. Já sabia eu que as coisas poderiam se desorganizar a tal ponto de me vir diante de um contra-senso. E o que diabos seria isso? Correr contra a onda.

Desci as escadas. Todos estavam no térreo, de resto, é claro. Como estavam esperando um presente, esta que é a tradição de quem vai embora, sente saudade dos que ficam e entregam presentes, passei direto e quase sem abraços entrei no táxi do castelo. Meus antigos colegas ficaram perplexos, pois o Disco do Bob Dylan não seria entregue por mim. Deixei “a outro otário que gaste seu dinheiro para dar presentes a quem não merece”.
Antes de sair do Benedito Bentes I, fui à minha terapeuta:
-Minha senhora, eu sou extremamente egoísta?
Riu extremamente alto, antes de responder:
-Sim. Extremamente.
Voltou a rir.
Eis a minha retirada.

Seis anos depois, hoje de manhã, caminho de volta ao meu estágio. Contemplo uma praça, vulgo da Faculdade, e enxergo de imediato as últimas árvores exóticas que restaram: imensas, sem graça e sem vida. Passo nas laterais do retângulo que dá forma ao lugar e enxergo o alinhamento das árvores. As árvores foram alinhadas.
Com esta percepção matinal, pedi para que você me ajudasse na identificação de um protozoário, via microscópio, na aula hoje de manhã.
Essa escrita não tem lógica, não é?
Eu sei, é isso o que costumam dizer.
E para vocês, adorantes faladores, eu não lhes darei o final.
Afinal, ninguém vai ler isso além de mim. (Risada brusca)

Acabei de vestir o meu vestido vermelho longo do séc. XVIII. Talvez eu pinte o meu cabelo de loiro, quem sabe, semana que vem.

E as árvores estavam alinhadas. Vi-me no meio da praça enquanto eu passava na borda do retângulo da mesma. Eu estava rindo, distante, muito distante.
Puta merda!
Não era para ser assim. Deveria estar indo contra, na paralela, bater no meu próprio ombro e dizer para mim mesmo: Vai pro inferno, sai da minha frente!

Eu não posso estar tão distante
Ah, puta merda! Agora já foi! Não posso retornar, minha namorada morreu a seis anos.
Não tenho escolha.

Viu?
Como é bom quando não tem final!
Bem, embora eu me contradiza
Porque o final está no meio do texto.
Nem isso!
(Boas Risadas)

quinta-feira, 27 de março de 2008

A Dislexia do Ser e a Propulsão ao Nada - O Diagrama e o Sonho

A criança não parou de chorar. O paraíso estava a um pé de vista. A última folha do outono se consolidava ao chão. Nada disso serviu como imagem. A criança continua a chorar, derrotada, livre de seus impulsos mais coletivos, sentiu-se perdida.

A percepção do tempo dificulta a visão. O processamento não é tão rápido. Será que continuarei abstrato para todo o sempre? Se minha abstração é um mecanismo de defesa, a criança não deveria chorar nunca mais. Mas chora.

Desespera-se diante do paraíso. Ponho minhas mãos nos joelhos e a criança em meu colo. Caminhamos juntos, unidos, sem dissociações neuróticas. O paraíso está à frente e temos que dizer adeus para as pessoas deste mundo do passado.

Temos?

As pessoas não precisam mais de adeuses. Deixá-las é somente a melhor opção. Talvez a nossa história cause obsessão em alguém porque jamais voltaremos para este lugar. A criança sorri, sem presumir nenhuma sequência.

Falando em consequência, uma violeta flutuante argumenta, numa partícula aerodinâmica em meu ouvido, que não posso deixar o terreno antes de hipotecá-lo. Respondo que eu posso o que quero. A violeta flutuante tornou todas as árvores do paraíso em cinzas. Finalmente, consegui retirar todas as projeções arquetípicas. A solidão, tristeza e a felicidade já não são as mesmas. A criança cresce, cria pêlos, e vejo diante de mim um aborígene. Nada humano numa criança humana crescida, e sim, um aborígene. Mas ele é idêntico a mim, nos comunicamos através dos sentimentos e das linguagens corporais.

Uma linha brança atravessa o meu ouvido. Desta, recrio a minha doce Eva, nua, o feminino perfeito. O aborígene faz para o mesmo objeto em um processo sucessivo.

Eu não gerei Eva
Eu recriei Deus
! (ah, quanta analogia pluralista!)

A terra treme, acusando que entrará em senescência nos próximos segundos. Eva e eu deitamos ao solo e contemplamos de perto os nossos olhares. Sua pupila é funda. Os aborígenes deitam em cima de nós, trocamos vários olhares.

Vejo Eva como um aborígene.
Eu sou um aborígene.
Sou uma criança que não chora mais.
Não tenho motivos para ser abstrato. (ah, mas para ser pluralista, sim!)

Odeio essas histórias de começo, meio e fim
Isso é defesa
Não dá mais para ser abstrato na fantasia pura, introjetada num blog como este!

* * *

O afeto aumenta e eu acordo dentro de uma sala-de-aula. Estou no centro, na carteira central. Isso é um problema, nunca quis estar no centro. Todos amigos e inimigos me observam com olhares perversos. Não me movo da carteira. Olho para baixo, curvo-me e finjo o que eu posso. Por um momento, tenho pressentimentos de que alguém me atacará por trás. Isso aumenta a cada segundo, numa obsessão.

Toca para o intervalo. O lanche é quilométrico. Alimento-me só, enquanto os outros jogam futebol de tampinha no pátio. O intervalo termina antes do último biscoito. Não tenho mais liberdade nem para alimentar-me, nem para me arrepender. Agora é pisar fundo o chão e assistir aonde dará.

"Oh, Santo Aborígene, como tu pesas!
Quando terei folga da tua gordura
?"

Volto para casa e sonho, vou para a escola e finjo. Criei a racionalização em dogmas arquetípicos para fugir desta "realidade" incombatível.

"Oh, Santo Aborígene, como tanto tu comes!
Quero que sejas de toda a minha gordura
"

Já não reconheco aborígenes, o ambiente, muito menos eu! Inicia-se o período do fingimento contraditório, onde ninguém aprendeu a escapar. Não há mais diferença entre o que é certo e errado ou o que foi e o que é. Termina-se tudo numa mesma idéia. A mesma que me deixa encabulado.

"Eis a origem das neuroses e insatisfações. Não há diferença entre você, meu amigo, e os olhares perversos da infância. Esmaguei todos e coloquei na pequena caixinha numa quina do meu quarto"

A maldita caixinha mutacional. Maldita seja, passou a domar a minha vida. Um objeto inanimado que detém o poder de todas as ilusões e fantasias fora dos meus olhos. Eu percebo o que "ela" quer, eu não sei. Eu vivo aquilo o que "ela" quer, o que eu não sei.

"E agora, Santis Aborigenus, em que cometa cairás?"

O planeta do esmagamento passou rápido. As histórias amassadas prendem a explosão, passando para as histórias da vidinha. A perceber as nuanças, nas entrelinhas de quem ainda se recusa a saber, dizendo:
"Eu entendi, mas ainda não vivi"
"Eu vivi, mas ainda acho que não entendi nada"

Oh, meu amigo e companheiro, as coisas são mais determinadas do que pensas! Então, qual das duas você esolherá, a loira ou a ruiva? Mesmo assim, fugindo, as coisas continuam a ser determinadas ao extremo.

O susto é a descoberta
A vivência garante a morte.

sexta-feira, 14 de março de 2008

-2-

Faz tempo que chegou a encomenda. Corri em alegrias vultosas, se assim posso dizer sem ser consentido ao contrário, tirando a redundância e garantindo o entendimento, retornei sem ar. Olhei para as minhas irmãs, de jeito diferente e sistematizado, fiquei mais conturbado. Afinal de contas, eu disse que havia ficado feliz ou triste? Nenhum dos dois, além do fato de que não há como conjugar um paradoxo, o olhar delas não foi algo feliz.

Ficamos abaixo da árvore, grande em extensão da copa, margeando em extensas extremidades sem permitir a entrada solar ao solo. Uma rosa decai em seu rosto e eu enxugo uma lágrima. Um outro vômito permite que eu amacie o seu estômago impregnado de vermes. O que se há de fazer? Abraçamo-nos todos. O que estamos esperando? Vocês mandam calar-me, ao prazer de fazer tantas perguntas sem ter respostas, já que as perguntas são repetitivas, sem sentido e direção.

Na última vez em que entrei no mar encontrei nossa foto bentônica, cheia de barbatanas quimicamente mortais, movimentando as escamas, fazendo esforço para se afastar. Afastou-se. Permita que se vá o que veio com tanta felicidade. Felizmente, tenho que assistir a morte de vocês, minhas amigas, além do fato de comer e degustar suas carnes, sem precisar ferver em um micro-ondas.

Estamos escrevendo o último dos trabalhos juntos, você diz que tudo está ficando distante, isolado. Outra afirma que quer ser deixada por mim sozinha na mata. Se hoje está tão distante, é tarde demais, já foi isolada a muito tempo atrás. Abandonei outra na mata faz seis meses, quando a mesma foi embora. Arremesso pedras para fazer cair um objeto antigo de estudo, em cima de uma balsa rotatória, no meio do Açude da Coca-Cola.

Não percebi a gravidade das minhas palavras, mas faço seguir a ordem dos meus desejos. Vejo-lhes daqui, distante, com outros ares, outras pessoas. Vivam as suas vidas e deixe que morram dentro de mim. Que o bolo seja partilhamente digerido!

Pena que, demoro muito a perceber o que entra em ponto de decolagem. Muito custa a perceber que embarco sempre em diferentes navios.
Quantos adeuses eu acenei ontem?

terça-feira, 11 de março de 2008

-1-

Finalmente, depois de muito tempo, consegui ferir alguém fora do meu âmbito ilusório. Nada que um perverso possa dar conta.
Finalmente, quando o objeto de estudo estava tentando correr com os seus próprios tentáculos, segurei seus braços e puxei-os para mim. Abalo sísmico total. Era só uma maldita prova de inglês, o que eu poderia fazer? Talvez tudo o que eu poderia. E fiz.
Dois pares de olhares no mesmo sentido fez o objeto corredor enxergar. Olhou para baixo com um riso disfarçado. Não gostou nada. Eu não senti culpa. Esta caminhou no ritmo da perversão e eu me recriei.
Soltei uma risada. Os pés se juntaram e de nada fizeram caso. Não havia vento, nem precisava tê-lo. Um simples sorriso vez valer a falta de vento e de sol. Umas risadas duplas para quem estava entendendo a situação e fim.
Na última viagem à campo, eu queria estar só. Fui obrigado a aguentar gritos e sussuros presos em meus ouvidos: "O que você fez? Matou? Retirou as tripas daquele desgraçado?" A última viagem à mata será recheada de surpresas dolorosas.
Não precisarei esperar mais nada do futuro. Posso perverter-me agora e gerar para todo o mundo. E foi somente uma mera prova de inglês. Eu poderia fazer tudo, menos magoar a principal pessoa a qual eu não poderia mover um trinco. Eu saberia que a distância nos afetaria. Não poderíamos acompanhar nossas transformações.
Como um perverso duela com um objeto fálico? Os tentáculos bem que tentaram. E, no meio de uma rodela, não houve escapatória.
-Você não me interessa mais.
-Do que você está falando?
-Preferiu correr, então esqueça.
-Esquecer o quê?
-Que eu existo.
-Está louco.
-Não quero mais ter amigos, isso não me interessa mais.
Olhou para baixo e soltou uma risadinha. A última. A primeira.

sábado, 8 de março de 2008

Registro um Passo, Protejo uma Queda

Rasguei uma foto
Arranquei uma carne perdida
Os quadrados vão encaixando as cores
Dando vida ao que não vê.

Veja e não veja
A transformação da tua carne
Agora dura
Semelhante procede
Ao que parece tua.

Doce ponta de desejo
Retorquindo os males de uma matina gradiente
Um fio ferido, na ponta de seu cabelo
Um caminho sem meio, pelo que mesmo sente.

E foi assim que tirei a última foto em que todos estavam juntos
Um registro mal lavado, passado e inerte
Gravado em pequenos quadrados.

As transformações são nuas, cruas e prostradas nos sorrisos maléficos de cada um
O envenenamento do salto alto daquela garota se perdeu
O cabelo alterno do figurante já desapareceu
Restaram as mesmas rugas
E se foram as últimas palavras.

Os risos são falsos
Os alôs, oks, tudo o que gera confusão
É falso.

Os sorrisos são os mesmos
Alôs, oks, isso não muda
A bola de gude passa por entre os cabelos
E não faz falta.

Eu seria seu
Do vento
De mona-lisa, caso não fosse o recorte errado
Uma falha no espaço para recortar a tua face do papel timbrado
Um erro simples,
Paguei pela carne cheia e pelos atrasos de ônibus,
Nada do que eu posso esperar do futuro.

Foi assim, primeiro dia, sentar na cadeira
Olhar para frente e para o piso
Para frente e para o piso, sorrir
E se esquivar,
Dizendo que se tinha somente dezesseis anos
Mas, os vinte três passaram ontem
Logo ontem, dia do aniversário
Inesquecível por um dia, tantos anos
Que ela poderia ter engordado mais.

Um choque após a foto me fez disparar ao vento
Correr à supremacia e contar que estaria agora a escrever sobre ela.
Ela?
Objeto.

E, depois de tanto tempo,
Ninguém entendeu nada
Nem os célebres amigos
Que nem próximos, nem por tentarem estar mais perto
Olharam de outra forma as figuras apresentáveis
Sórdidos da luz autêntica que planejava o presente
Acabou no passado.

Não estive com ninguém
Pensando que estava, saí do mundo de todos
De antemão
Por compaixão
Hoje, o espaço se limitou
Há cansaço
Desconfio
Desligo o aparelho visual
Desligado a tantos anos
E tropeço
A foto cai do bolso e, na serapilheira, um montante se forma sobre
Não vejo nada.

O mesmo chapéu foi usado
E a reconstituição fora perfeita
Faltou todo o resto
Os quadrados permaneceram em seus lugares.

Blúuuuuuulálálalalalalalalalallaalalalalalalblúuuuúúú

Uma ficha perdida
Encontrada jogada pela janela do Centro
E lá escrito: “You could have it so much better”
Apareço com uma roupa branca e, é bom me ver do futuro.

Vou até onde der
Ou, onde deu!
Um frio perante à gruta faz um Grupo girar
Gira e gera inflexões de raios em simetria
Paralelamente aos focos de luz, distanciados a cada metro de atenção
Prova daqui a sete minutos
Perverso.

Ela desapareceu, sumiu
Jamais retornou
Um “oi” nem fora mais suficiente
Somente no ônibus
“Como as coisas estão por lá?”
“Na mesma”
Sua carteira foi retirada da aula de Ecologia Geral
E eu que amei tanto o primeiro recesso
Foi na pólvora
O vento soprou o que restou
As últimas pontas não estão mais aqui
Terei de equilibrá-las.

Tirei a última foto de todos em conjunto
Todos foram embora, guardei a foto em meu bolso
Que, infelizmente, deixei cair no meio da serapilheira.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A Venda dos Corpos 1967

Fui avisado de que uma novidade havia chegado. Agora eu sou um produto comercializado e, entre todos os meus sentimentos, que nem meus são mais, obrigo a vendê-los.

Entrou no comércio todo o meu afeto. Ninguém soube como comprá-lo, talvez por não terem se identificado, ou por não entenderem do que servia aquele objeto. Agora um afeto está aprisionado no centro de um canhão, ao ponto de ser arremessado para cima e jogado no mar.
Ninguém o verá mais
Nunca mais o verão.
Se isso é uma despedida?
Então, que morra dentro do mar.

Entrei na porta da igreja e senti uma pancada de dúvidas. Perseguem-me há tantos anos e agora não seria diferente. Barrei em amigos passageiros, não entendi o que faziam dentro de uma igreja. Comecei a rezar e entendi que a minha fé havia desaparecido. Faz tanto tempo que já esqueci a credibilidade de ter alguma fé em mim mesmo. Se Jesus era o “eu”, talvez Lúcifer seja o meu vizinho.

Meu vizinho foi o meu melhor amigo. Hoje ele teria roubado um pouco do que eu sou. Entretanto, acordei ontem à tarde, fui à faculdade e soube da minha venda sentimental. Uma coisa rápida, todo o mundo anda documentando. Os meus olhos vão desfalecendo e começo a interpretar tudo muito igual a anos atrás.

A atividade comercial fecha hoje a tarde. Uma cisão é feita dentro do meu abdômen e uma flexão monta uma mentira na vida de um canhoto. Assim, uma mentira sobre a outra vai costurando a ferida.
Jamais serei o que fui
Ninguém me verá mais
Se isso for uma despedida
Que morra!

A ferida vai costurando outra. Um canhoto na vida de uma mentira monta uma flexão e uma cisão é feita dentro do meu abdômen. A tarde fecha hoje a atividade comercial.

Há anos atrás, tudo muito igual, começo a interpretar e os meus olhos vão desfalecendo. Todo o mundo anda documentando uma coisa rápida. E soube da minha venda sentimental, fui à faculdade, acordei ontem à tarde, entretanto. Hoje ele teria roubado um pouco do que eu sou e o meu melhor amigo foi meu vizinho.

Talvez Lúcifer seja o meu vizinho. Uma pancada de dúvidas, e senti, entrei na porta da igreja. Todo o meu afeto entrou no comércio. Obrigo a vendê-los, nem são meus, todos os meus sentimentos. Fui avisado de que uma novidade chegaria, a de que eu seria um produto comercializado.

Obrigo-me a vender
Que morra dentro do mar
Tudo o que não me vir mais
E, se isso for uma despedida?
Jamais serei o que quero ser!

sábado, 1 de março de 2008

Uma Visão no Passado do Fim e da Projeção Para o Vazio!

E no fim,
Tudo o que sobra é o vazio.

Isso me disse um dia uma senhora, prostrada num canto de parede, sem nada a fazer.
Ficamos a nos perguntar sobre o sentido das coisas e percebemos a engrenagem.
Ao tópico maluco da vida, eu me entristeço perante a descoberta: a de que eu não posso dar conta.

Os sorrisos em uma tarde de novembro, ao som do dominó. É isso o que sobra. De um abraço ou na beira de uma ponte, é algo que eu não posso dar conta. Disso o mundo inteiro já sabe, mas o que eu não sei é que a engrenagem diz e comanda a minha vida.
Desde a infância eu não quero ser comandado.
Não vivo por mim?
Nunca vivi por mim?
O que será isso?
A engrenagem.

O já chega corre mais que o pranto de estar só. Isso! Estar só é vencer o que não quer, parado, sem vida. Morro por instantes e encontro a senhora prostrada num canto de parede. Essa mesma parede em que eu vi o meu nascimento.
Joguei-a lá!
É difícil entender o que resta de uma tentativa não planejada, de um emprego estonteante, de um pretexto para ficar com aquela ou aquele garoto(a) ou de permitir que ela se vá.

-Sinto muito, criança.
-O que houve, qual é a notícia?
-Ela se foi.
-Não entendi.
-She’s gone!
-Ah.
No fim das contas, tudo vai embora. De algum jeito não sobra nada para contar história, só você mesmo se quiser. Ainda costumam a me abordar nas portas e nos caminhos por aí:
-Caba!
-Oi!
-Como você está?
-Eu vou.
Ao que se entenda, é o que fazemos: vamos embora. Sempre estamos caminhando para a saída. Uma saída é o que importa.
Você foi por muito tempo, agora retorna e eu não sei o que fazer.
-O retorno dói?
-Eu não quero falar sobre isso.
-Qual é a razão da amargura?
-A amargura é a própria razão!
-E o que você quer fazer com ela?
-Que vá ao inferno e me deixe em paz.
E a razão vai embora e eu não sei mais o que vai ser deste escrito.

O afeto está aumentando,
Não há muito o que fazer
Senão esperar.
Fito-me num espelho, o regresso aparece com figuras compostas do que deveria ter sido, num momento oportuno, num momento de abraço, o mais simples. A lógica vai embora.
Um raio, proveniente de um átomo, se antecipa do espelho para uma célula em minha retina, faz um escândalo no meu inconsciente. E como fico feliz de lembrar que amanhã eu vou fazer uma mágica. De modo que a minha amargura se antecipa para lembrar o ontem.
Eu deveria estar A,B,C,D,E,F,G,H. E cansei de ficar me cobrando.
Razão?
Pelo que vocês podem ver, ela aparece em fragmentos, como agora, para me consolar.
Talvez, a única coisa que tenho para consolo.
Permita que vá embora!
Ainda estou olhando para o espelho. Um raio projeta do meu inconsciente para a célula em minha retina. Desta, passa outro raio, mínimo em comparação com o anterior, e assim, projeta-se para aquele mesmo átomo do espelho.
É um movimento que vai e volta.
A cada ida, uma porrada, que se consente com outra em retorno.
E vai e volta, e vai e volta...

Toda a minha vida é projetada em um espelho. Poucos fragmentos visuais e sentimentais conseguem escapar desse espaço para um mundo estranho a meu ver. Um mundo que eu temo. O vazio.
Por que eu ainda não me convenci a construir uma casa no vazio? Pelo menos, eu deixaria de ter um vazio. Seria mais feliz. Mas, é um mundo em que eu temo.

Está na hora de parar de escrever, diante deste intervalo, e voltar para o livro de Ecologia.
E vai e volta, e vai e volta...

Eu não tenho graça?
Que bom ver você!
Bom dia?
Como você vai!
Vá ao caralho!
Eu tive um sonho muito engraçado ontem!
O cotidiano esconde algo
A minha insegurança
O seu orgulho
Refletem uma anti-negação da vida pré-edipiana
Minha amiga
Minha filha
Figura feminina
Eu já não agüento mais.
Juro que vou ler o Odum
Mas daqui a pouco
Não dá pra controlar o que sai da minha cabeça
É porque eu passo a droga da minha semana sem abrir a boca
Abro para falar o que eu não quero
Eu continuo na mesma...
...

E no fim,
O que sobra é o vazio,
Dos teus amores, da vaca, da calçada, do homem parado, da tarde inesquecível, da amiga que morreu e você ainda tem a porra da saudade a lhe perseguir.
É tão difícil?
É tão difícil?
Dos seus víveres, do herbário, dos amigos, dos específicos, do dominó na mesa de jantar, de Carlos Drummond de Andrade que me deu a lógica dessa estrutura frasal, onde de tudo sobra alguma coisa, e que eu costumo desmentir.
Se é alguma coisa, essa coisa deve ser o vazio.

Agora é que vejo que a minha razão esteve em toda essa escrita.
Que seja a sombra do meu inferno.
Até mais, senhorita, e segunda-feira irei mais estruturado para a escola, não se preocupe.
E fez-se fim mais uma vez.

Não se enganem, o que importa aqui é a razão do afeto.
A figura minhoca entrou pela porta agora pouco, quando eu iria desligar este computador.
A figura minhoca! Passa por mim e me diz oi.
Culpa faz.

Minha senhora, talvez ou algum dia eu a deixe sair desta parede. Por enquanto, eu deixo você dormir!