domingo, 6 de junho de 2010

Retorno - Reverso Nº 1

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Marden Linares
Washington Soares Jr.
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Ele revisa sua obra, cuidadosamente atento a cada mínimo detalhe. Sua expressão demonstra cansaço, mas também um imenso alívio. Estranho.
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-Interessante. Mas o que você pretende com isso, camarada? - Eu falo, espiando por cima de seus ombros.
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Ele não se vira para encarar o meu olhar curioso, parecendo muito compenetrado em sua preciosa obra para engajar-se em uma conversa de verdade.
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-Um retorno. Uma volta atrás - Ele explica - E então naquela noite de sexta-feira eu teria dito adeus para ela.
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-Ora, ora, então temos aqui um efeito borboleta particular - Eu comento - Mas você deveria tomar cuidado, camarada. Nunca se sabe o que pode acontecer quando se interfere com o fluxo das cadeias do caos.
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-Vou arriscar - Responde ele - Prefiro essa incerteza. Ela é a constância do agora. O presente que conheço é perturbador. Talvez a incerteza me mostre algo mais perturbador, mas ao menos é uma esperança.
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-Esqueça a esperança - Eu retruco, com um largo sorriso, que parece perturbá-lo um pouco - Ela é uma amante muito traiçoeira, camarada.
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-Que seja. Já está feito - Afirma ele.
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-Então só resta esperar o que seu novo presente bata a sua porta - Eu digo.
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Ouvimos batidas na porta. Ele se levanta e vai calmamente atendê-la, mas ao encostar na maçaneta pára, hesitante. Ele então se afasta, respira fundo e diz:
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-Entre, por favor.
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A porta se abre, mas não há ninguém do outro lado. Ele parece confuso, paralisado enquanto as possibilidades se desenrolavam e se destruíam a sua frente.
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-Achou que seria tão simples, camarada? - Eu falo.
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Ele tenta me responder, mas consegue apenas me olhar com descrédito. Não consigo deixar de me perguntar como eu devo parecer na visão dele.
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Ele balbucia algo, falando com o que quer que ele veja. Eu me volto para sua obra, parando em uma estante para pegar algo pesado com que eu possa estraçalhá-la, e então lá eu percebo uma sombra, um reflexo.
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-Presumo que você seja a moça de quem ele queria ter se despedido - Eu falo - Uma pena que eu não acredite em segundas chances.
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-É hora de deixar tudo para trás - Diz ela, deitando no centro do quarto e voltando os olhos para o teto preto.
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Ele continua preso ao que se apresenta do outro lado da porta, um pretume, um vazio, um nada. Talvez por isso ainda não se tenha dado conta da presença dela. Curiosa, por sinal.
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Ela desvia o olhar do teto para ele. E por algum ângulo visual que não consigo explicar ele a percebe.
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-Eu já sabia que você ficaria travado! Não surpreende este comportamento - Diz ela.
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E a voz não sai. Seu corpo continua paralisado diante àquela voz e com aquele olhar de descrédito. Eu fico de platéia, curiosíssimo ao que me apresentava. Mas, procurei me apressar em destruir a obra.
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-Você achou que poderia penetrar no passado? - Continua ela - O que você fez foi somente penetrar em uma fantasia própria do que seria seu passado.
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Uma onda de desespero cai sobre ele. Um desespero talvez ainda desconhecido, já que era o próprio vazio que se apresentava diante de seu ser.
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-Pela enésima vez...! - Finalmente diz ele. Mas dessa vez corre em direção à sua obra, pega um objeto pesado no caminho e a destrói com um só golpe. Há lágrimas em seus olhos e um sorriso perverso perpassando pela face da garota com os olhos fixos no teto negro.
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Então tudo se torna apenas cacos.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

"Id"

É como se a gente tivesse levado um susto muito grande quando pequeno, para respirar a vida no sentido contrário, sempre para dentro. Vejo muito bem a criança obrigada a não chorar. A criança é obrigada a não chorar, afinal de contas sempre estará virando um rapazinho ou uma mocinha, visto que quando pequeno, desejando ser grande; e quando adulto, desejando ser criança. Abafe, então, o choro, empurre o catarro para dentro e olhe para baixo. Emperre o seu desejo e deixe ele explodir internamente. Não solte. Morra!
É como se a gente tivesse com medo de morrer quando pequeno, para respirar a vida no sentido contrário com o risco de perder o amor. Assim pergunto: E você não cresce? Duvido você chorar agora! Duvido você sentir amor por alguém! Duvido você se sentir amado!
Parece mais que prendeu o ar aos dez anos de idade e está com medo de soltar os pulmões. Como vai se aliviar de toda essa pressão interna?
Deixe ele implodir.

domingo, 9 de maio de 2010

Personagens-vazio

Acordo na segunda-feira de manhã. Não há nada de novo, mais um dia como todos os outros. O que aparece na minha frente é um quarto pequeno com um monte de entulhos, como minha cabeça instalada no passado e no futuro. É uma hora boa para tomar banho, e tomar café olhando para as mesmas paredes e planejando o dia, conferindo as metas para a semana, etc.

O meu dia anterior não foi discutido; o que aconteceu de bom ou de ruim, as curiosidades e o que houve de peculiar não foi mostrado.

Hoje converso com as paredes.

Saio. Pego o ônibus e sento na primeira cadeira disponível. As pessoas vão entrando, ocupando os lugares. Uma senta ao meu lado, mas não há nada para conversar com ela. Afinal, não nos conhecemos e assim vou rotulando-a com um vazio. É hora de chegar à parada de descida e me levanto da cadeira. Chego a observar todos os vazios que preencheram aquele ônibus e de novo não me surpreendo.

Vou observando no caminho da universidade muitos jovens discutindo sobre as questões mais variadas, e assim chego na aula. Meus colegas chegam e vão cada um ocupando suas cadeiras. Cada um abre seu laptop e começam seus trabalhos independentes. Talvez hoje devamos sair para comer e beber em algum lugar diferente de ontem, aí discutiremos sobre tudo e todos no mundo inteiro e compartilharemos outro momento importante juntos.

Entretanto, amanhã acordarei novamente. Verei as mesmas paredes, mas agora em uma nova perspectiva, mais feliz. Tomarei café e contarei às paredes o que ocorreu na noite anterior. Será um dia feliz. No ônibus também é do mesmo jeito, mas visto de uma nova perspectiva. Os bancos continuam preenchidos de pessoas-vazio, mas agora elas agora serão vistas como um reflexo das minhas experiências da noite anterior. Assim, chegarei novamente à universidade. Sentarei na cadeira e os meus amigos também chegarão e ligarão seus laptops. Começarão os seus trabalhos individuais novamente e infelizmente perceberei que nesse momento elas se tornarão pessoas-vazio, as quais estabeleço toda a vez relações ocultas.

Estabeleço relações ocultas (relações do inconsciente) com pessoas-vazio.

Toda a vez com as pessoas do ônibus, ou da praça, ou do cinema.
Algumas vezes com meus amigos. E isso me incomoda.

Volto a Maceió e os meus antigos amigos continuam em suas vidas. E sei que eles não a mudarão ao me ver chegar. Eles tem prioridades e é necessário que eu monte uma ocasião diferente para vê-los, mas vê-los de verdade. Então, sempre deve ser uma ocasião ou pretexto especiais. Assim os reencontro. Entretanto, muito tempo se passou sem vê-los e nos acostumamos sem nos ver. Agora que mudamos aspectos de nossa personalidade devemos nos atualizar como amigos. Mas, infelizmente isso nunca acontece. Assuntos superficiais são explanados, mas os outros ficam ocultos. Novamente, é criado outro conjunto de relações ocultas em diferentes níveis para diferentes amigos, mas ela está lá. Ao percebê-la vem o incômodo, mas um incômodo sem razão aparente, ele simplesmente existe.

Chego em casa e revejo minha família. A irmã está do mesmo jeito que seus amigos, já que não fala com muita frequência e assim fica difícil alguma atualização, restando o velho diálogo: "e aí, como é que você está?" "Vou bem, e você?" "Tudo bem também". Mais um momento de pessoa-vazio. Mas esclareço, não é a pobreza de assunto que faz assuntos ou uma relação por algum momento se tornar oculta, mas a falta de compartilhamento de emoções e sentimentos, o que considero muito mais importante.

Acredito hoje de verdade que as pessoas quando estão juntas compartilham muito mais emoções e sentimentos e que na distância, pelo fato de que há uma diminuição na frequência de emoções compartilhadas, tendem a se esquecer. Utilizo a palavra "tendem" porque elas não chegam a se esquecer, mas que infelizmente se tornarão mais lembranças do que momentos atuais. Ou seja, futuramente potenciais pessoas-vazio em um nível maior.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Reflexo

Abri os olhos novamente. Consegui observar uma mancha de luz presa numa lâmpada fosca.

-Onde está?

Era forte o cheiro que emanava da rua. Não havia luz. Tudo escuro e aberto. Portas abertas, janelas escancaradas e um barulho lá fora. O sussurro de um médico batia na porta e eu não conseguia recobrar a consciência. Não podia me mexer, mas ele estava lá, sabia que com um chapéu e smoking pretos, sempre atrasado para todas as suas coisas, olhando indefinidamente para o relógio.

Numa pressa, batia cada vez mais forte. Recobrei meus movimentos e consegui levantar e caminhar lentamente para a porta.

Abri-a.

O rosto do doutor estava pálido. Seus olhos verdes cheios de sangue me comunicavam uma notícia perturbadora.

-Boa noite.

-Boa noite. Retruquei.

-Encontrei quem você procurava, meu amigo. Mas, as notícias não são boas.

-Quem?

-Trombei com sua outra parte na esquina, agora pouco.

Atônito fiquei. Sabia muito bem do que se tratava.

-Sinto muito que suas lembranças tenham ido embora, mas ela veio aqui novamente na semana passada. Não pude evitar. Agora pouco ela trombou comigo, e sua expressão não estava boa. O que ocorreu?

Um grito se ouviu no interior das portas entreabertas do meu ego. Era ela de novo. Às vezes saía, corria e bagunçava o que eu tentava sempre por em ordem. A merda do médico continuava olhando para mim esperando alguma resposta lógica, mas pena que essa era a única que faltava. Não havia razão que explicasse os fatos.

-Discutimos novamente, disse-lhe.

-E agora, o que você fará?

-Nada. Se ela quiser ir, que se vá. Não tenho mais nada a ver com suas ações.

Eu sabia muito bem que não era assim. Um dependia do outro, mas para que o médico se conformasse, seria desse jeito que a conversa continuaria.

-Não entendo uma coisa, disse o médico. Como é que você esqueceu a porta aberta novamente?

Novamente fiquei pasmo. Não era possível que o médico houvesse entendido tudo tão depressa. Senti-me despido, envergonhado. Realmente, era um erro meu e o médico havia entendido, e disse-me antes de ir embora:

-Durma tranqüilo que ela não voltará mais.

-Como é!?

De imediato percebi uma mancha de sangue em meu abdômen. Estava feio e explicava minha dificuldade em levantar e recobrar a consciência. O médico foi embora, e me deixou ali ferido. Fechei a porta da frente.

Fechei as portas dos quartos, as janelas, a porta da cozinha, da saleta, do porão.

Numa piscada de olhos, cheguei a vê-la jogada nas escadas, ofegante, olhando para mim de cabeça para baixo, triste.

-Você sabe por que me deixou fugir, não é? Disse-me.

-Não.

-Deixe de ser fraco!

Tentou se movimentar, mas o corpo já não conseguia responder aos impulsos.

-Eu era tudo o que você tinha! E agora?

-Agora nada. Como o médico me disse, você não voltará mais.

Ela começou a chorar. A esclerótica ficava mais evidente quando virava os olhos e entrava em uma convulsão, talvez por conta do grave ferimento causado pelo médico. Não conseguiu formular mais nenhuma palavra e a vi partir assim.

-É hora de trocar as cortinas, pensei comigo mesmo.

Abri os olhos novamente. Consegui observar uma mancha de luz presa numa lâmpada fosca.

-Onde está?

Estava muito claro, e o vizinho estava esperando na porta. Era dia de cinema e outra vez me vira atrasado. Olho para o espelho da cômoda e avisto-a novamente. E, linda e terna como sempre, dizia-me que jamais iríamos nos separar. Continuei olhando para ela, e esbocei um sorriso malicioso, sabendo já que hoje era o último dia de nossas vidas.

Continuei olhando para sua face e senti uma profunda saudade de seus olhos verdes, do meu jeito alegre, de suas vestes com estampas de flores coloridas, dos meus inovadores apertos de mão, de suas piadas fora de hora, dos pães errados que eu sempre comprava para o jantar, do jeito de nos abraçarmos e do modo de nos despedirmos.

Ela se apagou do espelho, e eu não voltei a fechar os olhos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Quando sentou em um banco e lembrou de alguém

Imagine-se se entregando para alguém
Talvez seja só uma mentira
Minha cara, acho que não nos entregamos mais.
Para falar a verdade, jamais o fizemos.
Seria uma perda de tempo para nós dois.
Tornar uma relação real.
Nada
Nunca.

Gosto de você porque é quando estamos próximos um do outro que me sinto bem
Não há compartilhamento de sentimentos e emoções
Você só lembra algo que me faz bem em mim mesmo
Algo que esqueci de lembrar sozinho.

Por favor, é claro que jamais construímos algo!
Não interpretem nossas relações como um material enferrujado, diluído
Não interprete nossa vida juntos como algo construído com o tempo
Não há emoção, querida
Só necessitamos um do outro agora.
Amanhã talvez não.

Por favor, não tente entender o que não existe.
É certo que, do mesmo jeito que nos encontramos
Tenhamos que nos separar
Isso acontece com todo o mundo, pena que não queiram aceitar
É o fluxo
E obedeça a ele.

Não caia na tolice de pensar que as amizades e os amores duram para sempre
Creia que as pessoas simplesmente morrem
E levam com elas suas amizades e seus amores
As pessoas de quem fizeram história, com as vivências.
As lembranças ficam para aqueles que não entenderam
Ou não tiveram tempo de se despedir com um grande abraço.

Todo o mundo que se conhece terá um dia que se despedir
Mais de uma vez
Quantas vezes for preciso
É o fluxo
E obedeça a ele.

Mas, no nosso caso, nada posso falar
No momento em que nos conhecemos, trocamos um oi
Depois um tchau
Pronto, o suficiente
Ao longo dos anos só houveram ois e tchaus
Entre eles não trocávamos nada
Somente conversas que não correspondiam à nossa realidade.
Sentir bem consigo era suficiente para ambos
Nada em troca, em contato, para compartilhar.

E isso não é bonito?
Claro que é!
Pena que quando nos despedirmos, sua presença em minha vida não passará de um sonho
Como se eu tivesse vivido você através de uma TV
Eu sentado em um sofá aconchegado, comendo uma pipoca
Assistindo o meu canal predileto
Recordo poucos dias de ter vontade de entrar na televisão, participar em conjunto
E de outros querer mudar de canal.

Querida,
O tempo passa
E muito rápido
Dou-lhe um conselho
Agarre e aproveite tudo o que você ama agora
Porque, de garantia, perderá tudo
E terá que automaticamente substituir os objetos/pessoas de perda
Não tenha saudade
Isso só prova que os momentos não foram bem aproveitados com as pessoas/objetos.
Por minha parte,
Terei sempre uma profunda saudade de você.

Mas, não há como voltar
O que ainda me angustia é uma lembrança constante
Uma lembrança ausente
Carregada de uma emoção forte
Girando um arrependimento sem sentido
De não ter entrado na televisão nos momentos certos.

De nossa vida mal-aproveitada,
Desejo um bom futuro pra você.