segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sombra

Ela só queria respirar em paz,

Mas como isso custa!

Dói.

Suas coisas sempre iniciam como uma bomba;

A novidade de uma idéia, seu novo brinquedo;

Mas sempre termina só.

Suas mãos dentro da luva, tentando esconder as lágrimas;

A novidade foi embora

Como tudo isso dói,

Custa!

-

Que não se tenha mais vontade

Onde não reside mais o desejo,

Deixe sua vida necrosar

Deixe sua vida

Necrose.

-

Nada vai adiantar agora,

É tarde demais

Mas, estendo meus braços a você

Já está na hora de irmos.

-

Não se engane, jamais se encontrará em um espaço como esse

Sua vida nunca valeu para o mínimo esforço alheio

Essa é a verdade escondida nas coisas

E daí!? Para quê por significados inúteis?

Não há mais nada

Para quê gastar tanta energia porque tirou mais um dez

Outro brinquedo sem significado.

-

Mas, eu estendo meus braços a você

Já estar na hora de irmos

Se só queria respirar em paz,

Deixe, então, sua vida necrosar...

Mas como isso dói!

Quanto custa?

-

Era terça de manhã, quando eu encontrei os seus lençóis espalhados. O café não estava na mesa, como o usual. O vazio me tomou outra vez e a respiração se tornou ofegante, como o produto de uma ânsia de morte. Não havia mais nada a se fazer, fora me encolher atrás da porta e esperar que você voltasse.

-

No teto estava escrito: eu não amo!

Eu não vi.

sábado, 26 de setembro de 2009

A menina do rosto vermelho e o médico precipitado (1995 – 2009)

Fevereiro, 1995.
Não destrua a fantasia da criança, minha senhora.
Não a deixe imaginar tanto as coisas, mas não retire abruptamente o que ela sonha.
Sim, era de manhã doutor. O céu estava bem azul naquele dia. 06:20h a.m., ela me pediu para pegar a mala azul para sairmos logo de casa. Estava frio. Eu estava nervoso. O suco do lanche deveria ser de abacaxi e estava dentro da garrafinha também azul. Era a primeira vez que eu passaria uma manhã fora de casa.

Um imenso erro!

Minha mãe me segurava pela mão direita, como sempre foi. Eu, como sempre, tentando parecer ‘o mais adulto possível’, engolindo o catarro amargo do choro... calado. O sol leve irradiava contra minha visão turva e a brisa fria sussurrava em meus ouvidos o que eu não queria ouvir: a fantasia acabara. Os passos dobravam às ruas cheias de mães e suas respectivas crianças ‘tão normais’, e eu tentava esconder o que sentia para aparentar uma certa ‘normalidade’.

Cerca de doze minutos depois estava entrando no Instituto de Ensino Maria de Fátima. Eu me tremia todo. Certamente, o fim seria mesmo aquele. Minha mãe ficou próximo à porta, enquanto me indicava a fila da turma da segunda série. A professora (tia) Ângela tentava organizar a fila quando eu fiquei travado em algum lugar dela. Era sim a fila da segunda série. Eu estava mudo, e sempre olhando pra minha mãe, que de longe observava. A fila seguiu para o ‘quintal’ do Instituto e entrou num corredor longo, onde havia umas dez salas. A primeira era a nossa.

Havia cerca de cinco filas naquela sala imensa. Eu sentei na fila extremo-direita da sala, numa cadeira de posição mediana. Tia Ângela confabulava palavras distorcidas, mas o que ainda lembro é olhar para o caderno pequeno, com as linhas azuis da margem borradas do meu choro constante. Tentava fazer de tudo para que ninguém me percebesse: olhava para o lado e via algumas crianças, voltava para mim, passava o braço no nariz encharcado de catarro. E tia Ângela parava a aula outra vez para perguntar o motivo deu chorar tanto. Nessas horas eu berrava mais.

Não prestei atenção em nada.

Uma sirene tocou, indicando que começara o ‘recreio’. Esperei todos saírem para que não me notassem comendo o meu lanche. Fiquei comendo só em frente da porta da sala. Pela primeira vez, eu tentava fazer tudo sozinho. Meu lanche era um suco feito pela minha mãe e uma bolacha dos ‘Gufs’, sabor chocolate. Adorava comer aquilo. Pena que, para minha surpresa, o lanche só me veio à boca uma vez, já que a sirene não me esperou comer o resto. O recreio agora só tinha vinte minutos, e não mais uma hora como na Escolinha Uma Estrela.

Até o fim do resto da manhã, em aula, procurava pensar em outra coisa, mas acabava sempre voltando a pensar em minha mãe. Sempre teorizava ‘o que ela deve estar fazendo agora?’, ‘está ensinando os novos alunos dela agora?’, ‘eu queria ser aluno dela de novo...’. Tia Ângela: ‘Crianças, façam o cabeçalho. Eu vou tomar água e volto já.” Eu penso: ‘como se faz um cabeçalho?... quero minha mãe...” Choro outra vez, e ouço tia Ângela falar pacientemente que eu esperasse mais um pouquinho.

Março, 1995.
Estou sendo levado outra vez para o Instituto e minha mãe pára comigo na esquina da rua que dá para o colégio. Ela me diz que é pra eu ir sozinho até lá. Maldita estratégia! Ela me promete que vai esperar na esquina até eu entrar no colégio. Assim foi, basicamente, o último choro.

No que sobrou daquele ano...
O nome dela era Daniele, era baixa, branca, e tinha sete anos naquela época. Ainda lembro nitidamente do rosto e o constante gesto de apertar minhas bochechas, julgando sempre que eu era o ‘bebê lindo’ da sala. Reinventei-me. Tornei-me um personagem principal de um filme alegre, mas sofrido. A musa Daniele se vestia como um objeto desejado e temido, impossível, embora mágico. Across the Universe seguida de All My Loving eram as músicas que me faziam lembrar de Daniele, constantemente. Aprendi a esconder o que eu sentia, aprendi a me esconder e, assim, me relacionar com os outros fingindo um ser uma criança mais ‘madura’. Aprendi a desarnar no mundo.

Contudo, algo em mim havia morrido, e estava apodrecendo por dentro.
Lembro de uma manhã, no pátio do Instituto. Era pega-pega a brincadeira do momento. As nuvens estavam vermelhas e, com o tempo nublado, todo o cenário ficou vermelho. Ficou conhecida como ‘a manhã vermelha’ por alguns dos meus colegas (Roberto, Yuri, Magnum e Gustavo). Assim, segunda série se foi e levou Daniele junto com ela. Daniele vivia só com a mãe. As duas se mudaram, não lembro pra onde. Isso me foi dito só uma vez, quando minha mãe me levou pra casa junto com Daniele, que morava perto de nós e a conversa se desenrolou nesse sentido.

Agosto, 2009
-Washington, você sabe muito bem que terminamos numa tumba, não é?
-Sim. Há muitos reflexos, não há como desviar.
-Então, o que você ainda está fazendo aqui?

Lapso!

domingo, 20 de setembro de 2009

Os Meus Olhos e Os Seus

E vai... vai mais longe onde não se pode mais ir. Chega por lá e avista uma conjunção de novidades que escampam aos seus tímidos olhos. Ele sabe que um dia terá que voltar para casa, e se angustia com isso. Queria estar longe para sempre... mas não pode. Agora ele arranja uma casa para ficar, consegue morar na rua. O frio é intenso e não há mais nada o que fazer fora conhecer as pessoas novas da sua vida transitória neste lugar. São pessoas geniais e que olham para ele sem julgamentos prévios. Onde o bom dia e o com licença detém um significado de respeito.
-
Ele se arrepende de ter vivido e nascido tão distante de lugares como esse. Tem a vontade de voltar no tempo, mas não pode também. Agora ele deve aproveitar os segundos em que está ali e aculá... Ele tenta, mas não se satisfaz. As pessoas vem e vão rapidamente, elas parecem bem estruturadas aos seus olhos e às suas palavras, e sente uma inveja daquelas pessoas. Para ele é um sossego, pode conversar nas portas, fragilizar-se e tomar um bom vinho com os antigos. Mas nada, ele não era dali, era de outro lugar. E agora?
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Pensa: para quê tudo isso? Descontenta-se com o que se vê e o que se sente. Não pode viver aqui, não pode viver onde estava. As pessoas daqui se parecem com as de lá. Ficam lhe lembrando as mágoas antigas por meio de fisionomias parecidas... um rosto aqui, uma cintura aculá e logo está pensando em pessoas antigas, que mudaram sua vida e foram embora não pensando nele. E agora?
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Ele já está no meio da estrada e não sabe mais o que fazer. Se pensasse mais talvez descobrisse para onde as coisas estão caminhando. Decide então ver no que tudo vai dar. As coisas passam através dos seus olhos como figuras adormecidas, sem individualidade, sem anima, nem gosto e nem cheiro. Parece tudo uma figuração. Perde o senso de realidade e tenta olhar para si, temendo cair e não voltar mais (desejando não se movimentar). Cai um livro no chão, e vai pegar para uma jovem desconhecida. Ela olha para ele com um sinal de piedade e de 'absolutamente nada', ela diz um simples obrigado e ele um outro nojento de nada. Contatos superficiais. Ela diz que vai montar um projeto sulamericano, ele se perde no pensamento em tentar imaginar que há algo por trás daquela 'inocente' conversa. Pega a sua água e bebe mais um pouco para abafar o suor que lhe entorta o corpo, e fala um outro obrigado e vai embora , ele fica parado olhando para o tempo perdido. Não lhe interessa mais.
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É frio. Talvez ele melhore algumas coisas. Coitado. Fez tudo o que uma soberana quis e, quando acordou não viu nada feito para si mesmo. Erro duplo. O primeiro passo nunca foi dado. Os passos reversos agora são muito duvidosos e não dá mais para confiar neles. A linguagem passa a ser suja, não visita os prédios principais da cidadezinha visitada. Volta para casa com o mesmo rosto de chatice quando acorda e vai para a próxima lição do dia. Muitos aprendem a encarar o dia, ele espera uma nova soberana. Sem ela, as coisas perdem o sentido. Mas agora foi.
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O coitado senta num banquinho da praça, sozinho de madrugada. Fica contando o número de ratos que passam de um esgoto a outro, entre duas ruas paralelas. Sozinho procura não imaginar nada, enquanto não venha ninguém tentar conversar com ele. Aparece alguém. Alguém muito jovem que olha para ele às distâncias. Senta do seu lado. É outro alguém desconhecido, que no caso é desconhecida para ele. Os mecanismos de defesa acionam a neurose do coitado e ele fica mudo, enquanto a garota lhe passa a testa de olhares cheios de perguntas. Ela quer lhe dizer alguma coisa, mas se sente inibida pela postura de pedra conseguida pelo neurótico. Ele pensa que o processo é bastante natural e finge não observar ninguém do lado dele. Ela, então, anseia ir embora quando o coitado toma a iniciativa de só lhe tocar o ombro para lhe fazer uma pergunta insignificante. Ela olha para ele e responde também algo insignificante.
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Os dois coitados começam a rodar conversa no meio da madrugada. Ambos sabem o que tem a fazer e o que dizer, ambos conhecem os seus próprios anseios e o que está por trás daquela conversa de roda-gigante que parece não ter o fim no derradeiro começo. Após a conversa ter sido consumidoa por si, eles trocam os olhares finais em silêncio, dão um suspiro de misericórdia e nada fazem. A agonia toma conta do lugar, mas não há reação por nenhuma das partes. Mais uma história perdida, mais uma nobre tentativa dos dois para se salvar de suas grades... Mais uma tentativa falha.
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Ele se arrepende ao vê-la suspirar. Ela vai embora e ele começa a imaginar o quanto seria feliz com ela, ou não, ou o quanto ela seria feliz com ele, ou não. Monta um baralho de imagens mentalizadas, desconscientizadas, e dá um outro suspiro afimando o quanto poderiam ser felizes. Volta a contar os ratos nos esgotos. Volta a pensar que a vida é pequena e que não há propósito para ele, e que não há para mais ninguém.
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Levanta-se do banco. Não passam mais ratos nem pra lá e nem pra cá. Enjoa-se, enoja-se. Caminha para casa tentando dar sentido para o que não há sentido. Buscando respostas onde jamais houveram perguntas. Arrepende-se mais uma vez. O que será agora? Jamais se planejou. Ainda busca alguém, algum sentido. Não olha para si. Vai atravessar a rua que não tem carros e sente algo doer.
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Seu coração dói. Põe a mão no peito esquerdo e a dor aumenta. Faz um gesto com a mão de parecer arrancar o próprio coração, o que já parece tarde, porque seu rosto acusa o que a decepção veio lhe tomar. Ajoelha-se no meio da rua às 03:27 da manhã, nota um formigamento forte nos cantos dos braços, pisca mais uma vez a vista porque a neblina cobre os olhos. Agora sim ele cai no pavimento e olha para o céu, se contorcendo de dor. Reconhece que está morrendo de uma causa que aflige o seu coração, mas não entende direito o que lhe ocorre. Finalmente parou de pensar. Reconheceu finalmente que sua última chance passou pelos olhos daquela garota, e se arrependeu de não estar abraçado com ela naquele momento.
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Queria estar com todo o mundo, mas agora não pode. Queria voltar à infância e brincar com sua irmã mais nova, mas agora nada. Queria nascer de novo para mudar a história, agora entendia tudo. Entendia também que uma chuva de roedores passava pela rua, a qual foi sua última percepção. A vista ficava branca com o passar dos segundos, e ninguém aparecia para socorrer. Ninguém aparecerá, afinal, a grade que cerca o coração encurva a coluna do ser para baixo. E é assim que ele morre, curvando-se como um feto para tentar amenizar a dor.
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O garoto não era inocente. Não era burro. O garoto era vivido demais. Era a esperança dos seus pais e vizinhos de outra cidade distante. Infelizmente, o menino era nada mais que um projeto transfigurado por outrem. Fazia questão de mencionar isso em seus atos-falhos 'inconscientes'. Morreu como deveria, no meio de uma rua, no meio da caminhada por onde começa o nada e termina o nunca. Jamais sairá do meio do caminho. Voltando a pensar na garota... Ela sim teve sorte. Ela agora pode encontrar alguém menos narcisista. Ela ainda tem chance.
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O jovem levanta, olha para o teto, não pensa em nada. Sente-se mais vivo do que nunca. Tropeça na cabeceira da cama e cai no chão. É hora de almoçar e está muito atrasado para ir à faculdade. Há três chamadas de sua noiva no celular, claro, talvez chateada por outro atraso. Ele se arruma, desce as escadas, pega um prato mal feito pela sua mãe, entra no carro e dirige apressadamente. No meio da pressa, atende ao chamado da noiva. Ela quer lhe encontrar na esquina do bloco B, antes da segunda aula.
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Ele chega a tempo. Percebe no rosto da noiva uma ânsia contida. Ela o abraça forte primeiro, sem razão. Ele corresponde ao abraço, mas sem entender o que se passa. Ela simplesmente diz em suas costas:
-
-'Estou grávida.'
-
O garoto entendeu o que lhe aprisionara. Voltou a dormir em sono profundo.