sexta-feira, 4 de abril de 2008

Corrida ao Encontro do que Não Sou, ou, que Jamais Eu Seria

O olho da água cicatriza em minha mão
De acordo com as sobreposições da carne
O sono me remete ao que eu desconheço
Eu não consigo tentar e ser tentado
As palavras são como bombas
Eu só queria evidenciar o que eu estou sentindo agora
Agora é demais
Vejam-lhes as terríveis cenas impostas neste mundo virtual.

Era o começo
Disse para todo o mundo
E eu falei
Que a guerra traria paz
Ninguém pensou em sobreviver
Somente eu e minha criança
Resgatada de todos os perigos
Menos essa
Da terrível ponta da ilusão.

Peço que a platéia seja mais compreensível
A apresentação iniciou o fim agora
Deve-se ter mais atenção para os detalhes
Invencíveis, são mesmo
Deve-se ter mais atenção a tudo.

Caminho ao campo e esbarro em uma árvore
Soco o meu rosto num solo trêmulo
E enxergo o sol em meu rosto a fazer um negrume cruel
E cruel será, pois não sei caminhar nas folhas
Verdes, novas, velhas, caídas, rebentudas, fedidas
Folhas
Não importa
Todos fazem o que deviam fazer em seu tempo
Mas, o tempo é invertido para todos também
E o mundo poderá nascer torto amanhã
Enquanto hoje só está “normal”.

Corri na manhã de domingo
Pensando somente em você
Pensei muito, mais do que a luz poderia acompanhar
Os meus passos
Trombam num galho perdido, jogado
E caio
Jogo tudo no chão.
Lagartos vêem a minha ira.
Coitado do galho.
Ainda me acostumo com as questões básicas das transferências
Mas, ainda assim, encontro meios de decepar toda a galha.

Eu tive uma infância feliz
Mas agora, eu preciso de você
Parece muito simpático
Mas não é
Nunca será.
A minha interpretação só enxerga o que se quer
O que se quer eu não quero
É estranho
É novo.
Não é uma mudança, ainda
Mas uma porta fechada para o reconhecimento.

Uma rua de um quilômetro
Uma escola no meio, em frente a uma lojinha
Mamãe está longe, está distante
Nunca mais irei vê-la como vejo agora
Com minha lixeirinha e minha pequena bolsa azul
Estampo o meu caderno e enxugo as minhas próprias lágrimas sozinho
Eu prefiro ser o que eu não quero
Para poder prosseguir e chegar até o meio da rua
À escola
O destino
Em todos os quatorze anos, deixo tudo pela metade
Percorro tudo pelo meio
Entendendo que estou só
Deixei-me em algum lugar e cheguei até a escola.
Lá eu amei
Amei os alfarrábios, as garotas de olhos claros, amei plantar feijão, amei jogar pingue-pongue, além dos futebóis-de-tampinha, levei chuva, corri de pega-pega, odiei, apresentei Chaves no papel de Kiko.
As milhares de coisas não listadas
As milhares de vidas vividas
Foram esquecidas
Pensas que estais só?
Resgatar o passado
Liberar, junto com as palavras, o choro no meio da rua
Voltar de onde estava e dar um abraço sufocante na mãe
Dizendo que não quer ir
Eu não quero ir
Eu não quis ir
Mas vou
Irei
Fui
Lá.
Dar um abraço sufocante e soltar o choro suprimido pelo tempo
O choro a ser chorado aos seis anos de idade
Três anos de repressão
Dezesseis anos de supressão
Não significa o fim
Olhe para os olhos maternos
E chore
Chore
Chore
Até não sobrar nada
Nem lágrimas
E quando estas forem
Gaste o último fôlego
Não importa se vais até o hospital
Até a enfermaria, fazer exames que você tanto detesta;
Mas, paga-se por algo, resgatando a vida perdida
Paga-se com outra vida.
Outra vida tem que morrer.
Depois disso a mãe será a base
O resto será construção sua
Minha
Dos amigos
Dos amores
E das milhares vidas vividas.
Você não precisa fingir mais
Agora você tem sua criança de volta
A mesma de sempre
Jamais será sua inimiga.
Mas, por favor, volte
Volte até aquela rua
Pare no meio dela
Não vá à escola, isso não dá em nada agora
Não importa
Somente pare!
E dê um tchau para ela
Diga adeus
E que você vai estar sempre ali
Não no meio da rua
Mas no meio do coração das coisas
.”

Quero levar você comigo
Até onde as coisas levarem o que eu fui
Você mesmo, de olhos claros
Ou mesma, não importa.
Tenho um forte sentimento por objetos vermelhos
Seu vestido vermelho me encanta.
Não me restam dúvidas
Vou me levar com você
Vou levar você comigo
Vamos juntos entrar na porta do colégio
Dirigir todas as crianças
Para, no final, mostrar para nossos antepassados
Que ainda somos um retrato fiel de seus ideais
Não uma cópia
Mas, um sobressalto num futuro
Ou num sonho, quem sabe
Numa tarde de verão, onde dois tataravôs imaginam os seus bisnetos crescendo e vivendo.

Nossos filhos nascem, garota de vestido vermelho
E o que vai ser já passou
Há muitos anos
Quando tomamos a decisão de sairmos juntos para o cinema
Nada vai dar errado
Afinal, o que poderia dar?
O caminho é este e aquele, e aquele outro e mais um...
Nada pode dar errado
Porque a tudo se vive ao mesmo tempo
E, ao erro, nestas questões, sempre se induz
Pois, aqui já não há tempo que se defina
Meu tataravô está ao meu lado
Meu pai
Tios
Amigos
Escola
Professoras
Mães
Filhos
Netos
Bisnetos
Tataranetos
Nada morre
Nada nasce
Quando não há tempo
As coisas são estados
Não definidos
Mas completamente vividos.

Mas, por favor, volte
Saia deste laboratório de quatro paredes
Um microscópio não trará uma vida perdida
Jamais, de volta
Saia
Veja a chuva do lado de fora
Sinta-a
Verá um pingo d’água perfurar o seu dedo
.”

Pronto! Agora não há como fugir.

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