domingo, 24 de fevereiro de 2008

Cidadão-Vazio!

Pegaram uma alavanca cilíndrica e um parafuso
Com ambos os objetos, perfuraram o meu crânio
Logo após, uma serra foi motivo de esforço
Para abrir a caixa craniana.
Aberta agora estava
Entender o que se via seria algo a mais
Um vazio, incluindo duas libélulas no fundo da caixa
Se as hipóteses estão ainda certas
Devoraram o que ainda restou do cérebro.
Olhei para os meus amigos doutores
Eles olharam para mim com um rosto de que
Não resta muito a fazer, meu amigo
Olhe esta serra, não há vestígio de sangue
!”
Não peguei a metade da caixa que estava de fora
Saí do consultório sem o meu osso frontal
Cambaleava astutamente para ninguém perceber
A falha que residia em minha memória.
A direção é um bichinho de pelúcia
Não facilmente domável, mas seguido
Para ser entendido pela massa popular

Nem Deus lembra de nós
Aleluia!”
Com todos esses adereços
Acreditei que estava em uma igreja
As pessoas não me viam
O mundo não me servia
O que seria?
Restaria alguma coisa?
Na terceira pisada do meu joelho ao chão
Senti que o meu tornozelo se desprendia
Soltei-o ao chão, tornou-se madeira incendiada de cupins.
O segundo tornozelo desprendeu da mesma forma
Quis andar e não vi pés para me ajudar
E não havia sangue em nenhum lugar.
Ajoelhado, próximo a um asfalto, vi a presença de um homem
Você tomou a decisão errada
Teve todas as oportunidades
Viu chegar e assistiu a retirada das tropas
Deixou a população morrer de fome
Vendeu a terra dos camponeses aos europeus

Comecei a queimar tudo o que estava a minha frente
Somente com a visão do meu olhar desesperado.
Olhei para o homem e disse:
O Brasil conseguiu quinhentos anos
E o homem conclui:
Quinhentos anos sobrevivendo a duras explorações
Uma terra sempre à venda
À troca de espelhinhos e aperitivos

Aproveite e queime pelos explorados
Que em quinhentos anos levantaram uma nação
Que aporta pessoas desalinhadas de seus pretextos
Pretextos futuros imaginados por um passado esquecido
Passado fingido, como se nunca tivesse acontecido
Escravos mortos, escravos catando cana
Os dias do Escravo e do Índio se combinam com o dia da cachaça
O mesmo que o da Independência
E eu queimo
Burlo
Um escândalo novo
Uma história nova
Resultado de uma mesma história
Que nem palavra deve ser dita.
Continuo a me arrastar e o homem vai embora
As unhas cravam em partículas de areia
E a areia não faz sinal de movimento.
O corpo arrasta e faz trilha a duras distâncias
Ninguém enxerga
O comércio na Rua Augusta continua prosperando
E arrasto.
Estou esfomeado
Um comerciante acaba de desperdiçar um pedaço de frango
Um frango julgado “passado do tempo, tirado de validade
Acabo de saboreá-lo
Agora eu estou fora de validade também
Sou um rejeitado.
As pessoas e as suas vidas
Eu e minha vida
O que resta é uma grande interrogação
Disseram-me, quando era criança,
Eu deveria ser unido com os outros.
Estou só e vejo as pessoas daqui de cima
Subo, desesperadamente, um monte
E aqui as coisas são bem mais arejadas.
Vejo um monstro escrito nas entrelinhas
Por trás das costas da cidade inteira
Governando subliminarmente os coitados vivos.
Caminho em direção contrária
Renegado pelo sistema e embutido no isolamento
Não encontro parceiros e aceito a morte como um pretexto vago
Pelo menos, senti o retorno das duas libélulas ao meu crânio oco.
Vou embora
Fique aí, lendo...
Vejo-te de longe, neste monte.

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