sábado, 26 de setembro de 2009

A menina do rosto vermelho e o médico precipitado (1995 – 2009)

Fevereiro, 1995.
Não destrua a fantasia da criança, minha senhora.
Não a deixe imaginar tanto as coisas, mas não retire abruptamente o que ela sonha.
Sim, era de manhã doutor. O céu estava bem azul naquele dia. 06:20h a.m., ela me pediu para pegar a mala azul para sairmos logo de casa. Estava frio. Eu estava nervoso. O suco do lanche deveria ser de abacaxi e estava dentro da garrafinha também azul. Era a primeira vez que eu passaria uma manhã fora de casa.

Um imenso erro!

Minha mãe me segurava pela mão direita, como sempre foi. Eu, como sempre, tentando parecer ‘o mais adulto possível’, engolindo o catarro amargo do choro... calado. O sol leve irradiava contra minha visão turva e a brisa fria sussurrava em meus ouvidos o que eu não queria ouvir: a fantasia acabara. Os passos dobravam às ruas cheias de mães e suas respectivas crianças ‘tão normais’, e eu tentava esconder o que sentia para aparentar uma certa ‘normalidade’.

Cerca de doze minutos depois estava entrando no Instituto de Ensino Maria de Fátima. Eu me tremia todo. Certamente, o fim seria mesmo aquele. Minha mãe ficou próximo à porta, enquanto me indicava a fila da turma da segunda série. A professora (tia) Ângela tentava organizar a fila quando eu fiquei travado em algum lugar dela. Era sim a fila da segunda série. Eu estava mudo, e sempre olhando pra minha mãe, que de longe observava. A fila seguiu para o ‘quintal’ do Instituto e entrou num corredor longo, onde havia umas dez salas. A primeira era a nossa.

Havia cerca de cinco filas naquela sala imensa. Eu sentei na fila extremo-direita da sala, numa cadeira de posição mediana. Tia Ângela confabulava palavras distorcidas, mas o que ainda lembro é olhar para o caderno pequeno, com as linhas azuis da margem borradas do meu choro constante. Tentava fazer de tudo para que ninguém me percebesse: olhava para o lado e via algumas crianças, voltava para mim, passava o braço no nariz encharcado de catarro. E tia Ângela parava a aula outra vez para perguntar o motivo deu chorar tanto. Nessas horas eu berrava mais.

Não prestei atenção em nada.

Uma sirene tocou, indicando que começara o ‘recreio’. Esperei todos saírem para que não me notassem comendo o meu lanche. Fiquei comendo só em frente da porta da sala. Pela primeira vez, eu tentava fazer tudo sozinho. Meu lanche era um suco feito pela minha mãe e uma bolacha dos ‘Gufs’, sabor chocolate. Adorava comer aquilo. Pena que, para minha surpresa, o lanche só me veio à boca uma vez, já que a sirene não me esperou comer o resto. O recreio agora só tinha vinte minutos, e não mais uma hora como na Escolinha Uma Estrela.

Até o fim do resto da manhã, em aula, procurava pensar em outra coisa, mas acabava sempre voltando a pensar em minha mãe. Sempre teorizava ‘o que ela deve estar fazendo agora?’, ‘está ensinando os novos alunos dela agora?’, ‘eu queria ser aluno dela de novo...’. Tia Ângela: ‘Crianças, façam o cabeçalho. Eu vou tomar água e volto já.” Eu penso: ‘como se faz um cabeçalho?... quero minha mãe...” Choro outra vez, e ouço tia Ângela falar pacientemente que eu esperasse mais um pouquinho.

Março, 1995.
Estou sendo levado outra vez para o Instituto e minha mãe pára comigo na esquina da rua que dá para o colégio. Ela me diz que é pra eu ir sozinho até lá. Maldita estratégia! Ela me promete que vai esperar na esquina até eu entrar no colégio. Assim foi, basicamente, o último choro.

No que sobrou daquele ano...
O nome dela era Daniele, era baixa, branca, e tinha sete anos naquela época. Ainda lembro nitidamente do rosto e o constante gesto de apertar minhas bochechas, julgando sempre que eu era o ‘bebê lindo’ da sala. Reinventei-me. Tornei-me um personagem principal de um filme alegre, mas sofrido. A musa Daniele se vestia como um objeto desejado e temido, impossível, embora mágico. Across the Universe seguida de All My Loving eram as músicas que me faziam lembrar de Daniele, constantemente. Aprendi a esconder o que eu sentia, aprendi a me esconder e, assim, me relacionar com os outros fingindo um ser uma criança mais ‘madura’. Aprendi a desarnar no mundo.

Contudo, algo em mim havia morrido, e estava apodrecendo por dentro.
Lembro de uma manhã, no pátio do Instituto. Era pega-pega a brincadeira do momento. As nuvens estavam vermelhas e, com o tempo nublado, todo o cenário ficou vermelho. Ficou conhecida como ‘a manhã vermelha’ por alguns dos meus colegas (Roberto, Yuri, Magnum e Gustavo). Assim, segunda série se foi e levou Daniele junto com ela. Daniele vivia só com a mãe. As duas se mudaram, não lembro pra onde. Isso me foi dito só uma vez, quando minha mãe me levou pra casa junto com Daniele, que morava perto de nós e a conversa se desenrolou nesse sentido.

Agosto, 2009
-Washington, você sabe muito bem que terminamos numa tumba, não é?
-Sim. Há muitos reflexos, não há como desviar.
-Então, o que você ainda está fazendo aqui?

Lapso!

Um comentário:

Pedrow Z disse...

Puta. Que o. Pariu.
Meu caro, você conseguiu.