quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Perspectiva

Sento na cadeira e olho para o relógio. Ele não me diz nada além de que estou atrasado para tudo. Olho para uma fotografia antiga e está aí algo que me inquieta. Sentado reflito sobre como deveria ter sido se eu tomasse aquela atitude, e tudo volta outra vez. As coisas mudaram, passaram, mudaram outra vez e eu me arrependi. Essa foto me causa agonia agora, por toda essa questão passada se tornar um absurdo devido a uma mudança de perspectiva.

Eu não me entendo: resolvo levantar e te vejo no final do corredor, imóvel, olhando para mim. Eu sei que é uma questão de instante para que eu vá embora de vez. Você continua imóvel, mas sua expressão é de espanto. Os olhos não vão piscar mais, os músculos jamais irão contrair outra vez, a febre já passou e as veias estão prestes a secar. Eu tenho pena de você, mesmo assim olhando de longe. Eu tenho pena por você não ter resolvido exatamente aquela questão durante os 50 anos que te foram prolongados.

Eu não te entendo: vejo alguém te carregar. Essa pessoa está um pouco irritada ou talvez um tanto desesperada. Ela não sabe o que fazer: às vezes pega o telefone, mas não liga pra ninguém; outras vezes vai pegar algo na mesa para nada. Todos esses movimentos ela faz com você nas costas. É muito visível que você, seu inútil, é muito pesado para essa pessoa. Esse alguém senta na cadeira, e solta um suspiro de irritação ou de desespero, liga a televisão que não está sintonizada e fica ali parada, assistindo chuviscos. Mas é muito claro que você é muito pesado e, além disso, fez uma grande merda pra continuar preso a essa pessoa que te carrega e não sabe o que fazer.

Eu não a entendo. Por que ela não faz simplesmente se livrar? O que a faz se manter presa ao passado dela com você? Relações inúteis! Com certeza ela não tem consciência disso, e nem precisa ter. O destino dela é se afundar da mesma forma como você se afundou, já que os dois fizeram um pacto de desejo nesse tal “passado”. Ainda te olho daqui, você continua com esses olhos esbugalhados e assustados. O tempo passou para você, meu caro, e agora não há mais nada a fazer. Bem, há sim: pelo menos, se despedir da pessoa que te carrega no pescoço.

E isso é tão difícil para você, seu inútil! E também como é difícil para mim vê-la desse jeito. Ela deve se sentir muito sozinha. Já vejo o momento em que também a verei com olhos abertos e assustados olhando em minha direção. E, infelizmente, quando esse dia chegar os meus olhos não irão piscar mais, os meus músculos jamais irão contrair outra vez, a febre deverá ter passado e as minhas veias já estarão secas.

O relógio toca, indicando que o horário passou há muito tempo e eu já tenho que ir. Devo me despedir de você, o meu lado mais frágil que devo abandonar para crescer a um próximo domínio estável da minha vida. Você, a minha vítima e o meu sentido de ego frágil escondido: já é hora de te aceitar e de te rejeitar sem nenhum conflito e sem nenhuma mágoa.

Eu (Somos o vazio de nós mesmos)

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